Condomínios têm raro momento de paz por covid-19: ‘Caderno sem reclamação’
A decisão coletiva de se isolar em casa para conter o novo coronavírus trouxe paz (e guerra!) a condomínios no Brasil
Não à toa, síndicos adquiriram nas últimas semanas poderes dignos de um líder em estado de exceção. Vizinhos estão mais perto e passam mais tempo próximos a rivais e longe dos amigos. Embora tudo caminhe para confusão, muitos condomínios estão desfrutando de uma solidariedade e de uma paz inéditas.
O isolamento contra a pandemia do coronavírus facilitou, por exemplo, o trabalho do síndico profissional Antonio Carlos Barbosa.
O grupo em que trabalha administra prédios com uma população de quase 7.000 pessoas em condomínios na Grande São Paulo. Desde que o estado paulista decretou quarentena e indicou que a população deveria ficar em casa, o livro de reclamações tem se mantido quase em branco. Apenas uma coisinha ou outra, picuínhas que não têm muita ligação com o coronavírus.
Na última semana, por exemplo, um condômino telefonou para Antonio para reclamar que o vizinho de cima fumava na janela e deixava cair cinzas de cigarro no apartamento de baixo.
Em outra ligação, uma senhora perguntou se poderia passear com o cachorro na área da churrasqueira. O pedido foi negado e o síndico justificou que a exceção poderia criar um desfile de cachorros em um prédio com 217 apartamentos. A moradora aceitou de bom grado.
“Com fechamento de espaços do prédio, o número de reclamações sobre áreas comuns diminuiu. Eu sinto que a pandemia acabou educando muitos moradores”, explica o síndico do Grupo Syndike, empresa que delega síndicos profissionais para cuidar de grandes empreendimentos.
Nem sempre há paz
A paz, porém, nem sempre foi assim. O síndico de um condomínio em Brasília, onde moram cerca de 4.000 moradores, convocou uma assembleia para o dia 26 de março. A tarefa era complexa: eleger novos síndicos, subsíndicos, prestar contas e analisar o orçamento para o próximo ano. A única indicação seria que todos se mantivessem a uma distância de um metro durante a votação.
Não demorou muito para que os moradores pressionassem. “Até falei com um advogado especializado em condomínio e ele já estava agilizando uma documentação para que eu pudesse entrar com uma petição para suspender a assembleia”, explica Fábio Rodrigues Lima. A assembleia foi adiada para o final de abril.
Há duas semanas, a moradora de um prédio em Higienópolis, bairro nobre na zona oeste de São Paulo, também pediu conselho a advogados sobre problemas com o síndico. O motivo? O elevador de serviço estava quebrado. Era por lá que o marido, profissional da saúde, subia vestindo as roupas do trabalho para reduzir um possível risco de transmissão. Segundo ela, houve desdém dos síndicos e porteiros com a situação e um advogado também foi acionado.
Em outro caso, em São Paulo, uma síndica estava em dúvida: deveria deixar dois novos moradores fazerem a mudança para o apartamento que haviam acabado de comprar?
Síndicos com poderes absolutos
As dúvidas pairam no ar, mas isso é comum neste momento, explica Rodrigo Karpat, advogado especializado em direito de condomínio. Com as medidas de isolamento, o síndico ganha o direito a fechar áreas comuns, como academias e salão para festas, obrigar que o elevador transporte um morador por vez e a adiar assembleias.
Segundo o advogado, o síndico também pode proibir visitas, paralisar obras e restringir o número de funcionários para realizar manutenções. Mas é responsabilidade dele oferecer guias de prevenção e kits de limpeza a moradores, porteiros, faxineiros e segurança, como álcool em gel. O indicado também é alterar a escala de trabalho dos trabalhadores.
“O síndico tem que resguardar sua comunidade e, neste momento, adotar as posturas de preservação da saúde adotadas pelos órgãos municipais, estaduais e do garantido ao síndico pelo Código Civil”, explica o especialista. As penalidades vão de advertências a multa.